Arq. Bras. Cardiol. 2020; 115(2): 278-280
O Outro Lado da Moeda: Os Riscos da Discussão de Dados Médico-Científicos pela Mídia Durante a Pandemia de COVID-19
A pandemia de COVID-19, assim determinada pela ONU em março de 2020, trouxe uma série de mudanças no cotidiano de toda a população. Medidas de isolamento social, quarentena e lockdown foram implementadas em diversos países. O número elevado de casos, já próximo de 4 milhões no mundo, com mais de 250.000 mortos pela doença, fez com que houvesse um grande interesse na patologia, e uma verdadeira revolução na produção e divulgação de dados médicos ocorreu por conta disso. Uma grande quantidade de artigos científicos avaliando todos os aspectos de COVID-19, desde a sua epidemiologia, passando pelo seu quadro clínico e por potenciais possibilidades terapêuticas tornou-se disponível para a comunidade médica. Em pouco mais de 4 meses mais de 10.000 artigos foram publicados sobre o tema e, de forma inédita, disponibilizados gratuitamente, em tempo real, pelos principais periódicos da literatura médica.
Essa velocidade de produção e imensa quantidade de dados disponíveis não vêm sem um preço. Boa parte destes artigos não passou por uma revisão de metodologia adequada, sequer foi avaliada por pares e não foi depurada pelo tempo. A necessidade de compreender a COVID-19 e de buscar melhores alternativas terapêuticas fez com que houvesse uma avalanche de estudos questionáveis. O joio misturou-se ao trigo e recomendações médicas passaram a mudar com uma velocidade assustadora. Dados com maiores graus de confiabilidade e de evidência, advindos de estudos aleatorizados e controlados por placebo passaram a ser considerados demorados demais. Séries de casos e opiniões de especialistas começaram a pautar condutas clínicas, com impacto direto no manejo clínico dos pacientes. Ao invés de demonstrarem soluções, a inundação de estudos passou a ser um problema e a gerar confusão para a prática clínica no manejo dos pacientes com COVID-19.
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