Arq. Bras. Cardiol. 2023; 120(11): e20230843
A Atenuação da Gordura Pericoronária na Tomografia Computadorizada Revela um Fator Culpado de Doença Arterial Coronariana Associada a Esteroides Anabólicos-Androgênicos
Este Minieditorial é referido pelo Artigo de Pesquisa "Inflamação Coronária Avaliada pela Atenuação de Gordura Pericoronária na Tomografia Computadorizada e Elevação de Citocinas em Usuários Jovens de Esteroides Anabólicos Androgênicos".
O uso ilícito de esteroides anabólico-androgênicos (EAA) é um problema crescente de saúde pública que afeta principalmente não-atletas, fisiculturistas e adultos jovens, incluindo mulheres. É difícil determinar quantas pessoas usam esteroides anabolizantes por razões não médicas. Em uma meta-análise populacional geral, 6,4% dos homens e 1,6% das mulheres afirmaram ter usado EAA em sua vida. No Brasil, onde a aparência estética, o culto ao corpo e a beleza desempenham um papel social e econômico especial, a prevalência do uso de EAA pode variar entre 2,1% e 31,6%, conforme a região. EAA são substâncias sintéticas relacionadas aos hormônios sexuais masculinos, principalmente à testosterona. Em doses normais e durante um curto período, os EAA podem melhorar a força muscular e aumentar a massa corporal magra, mas em doses mais elevadas (muitas vezes 100 vezes acima da dose clínica), os EAA estão associados a uma taxa de mortalidade 4,6 vezes superior em comparação com a população em geral. Vários casos de eventos cardiovasculares agudos, incluindo infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral (alguns deles fatais), foram descritos na literatura., O principal mecanismo fisiopatológico por trás dessa associação em adultos jovens é a promoção de um perfil lipídico e metabólico adverso caracterizado por níveis elevados de colesterol LDL e diminuição do colesterol HDL e resistência à insulina, o que, em última análise, pode levar ao acúmulo de placa aterosclerótica. É importante ressaltar que a trombose sem aterosclerose subjacente ou vasoespasmo também é altamente possível em usuários de EAA, dado seu estado de hipercoagulabilidade e aumento da viscosidade sanguínea devido ao tromboxano A2 e à síntese de fibrinogênio, inibição da produção de prostaciclina e aumento da eritropoiese.
Diagnosticar doença arterial coronariana (DAC) em usuários (e abusadores) de EAA pode ser um desafio dado seu risco muito baixo com base nos escores de risco clássicos. A angiocoronariografia por tomografia computadorizada (ACTC) é atualmente o método de imagem de primeira linha para investigação de pacientes com suspeita de DAC. Apesar de sua excelente resolução espacial, a avaliação visual da ACTC apresenta limitações na detecção de doença da parede arterial coronariana em estágios iniciais, quando as placas coronárias ainda não são visíveis ao olho humano. Pesquisadores da Universidade de Oxford mostraram que mais da metade dos eventos acontecem em pacientes com placas não obstrutivas., Nos últimos 5 anos, desde a publicação do estudo histórico CRISP-CT, Oikonomou et al., demonstraram de forma detalhada que a inflamação coronária – a causa da formação e instabilidade da DAC – pode estar presente apesar da ausência de placas visíveis; eles descobriram que os sinais liberados por vasos inflamados no tecido adiposo perivascular circundante, bloqueia a diferenciação de pré-adipócitos perivasculares em adipócitos maduros e carregados de lipídios. Assim, pacientes com DAC acumulam tecido adiposo perivascular com adipocitos de menor tamanho e menor conteúdo lipídico próximo à parede vascular e, consequentemente, menores valores negativos de atenuação de gordura em comparação com vasos não doentes. Essas alterações na composição da gordura perivascular podem ser detetadas tridimensionalmente pelo Índice de Atenuação de Gordura (FAI) – um biomarcador derivado de ACTC desenvolvido para detectar DAC precoce., Resumidamente, FAI é o sinal médio de gordura perivascular ao redor do vaso que pode ser obtido em qualquer ACTC adquirida rotineiramente. Este biomarcador de inflamação coronária foi desenvolvido e validado em grandes coortes de pacientes europeus e americanos e posteriormente integrado (juntamente com os fatores de risco cardiovascular) num modelo prognóstico para obter o risco individual absoluto de eventos. O cálculo do FAI implica o contorno da parede dos vasos nas artérias coronárias contrastadas, o que é uma tarefa demorada e dependente do operador. Atualmente, uma ferramenta de IA está disponível para segmentar automaticamente a gordura perivascular e fornecer pontuação de risco de cada indivíduo para uso na prática clínica.
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