Arq. Bras. Cardiol. 2020; 115(6): 1080-1081

Mecanismo causante de Acidente Vascular Cerebral Embólico na Cardiopatia Chagásica Crônica: Disfunção Autonômica, uma Hipótese de Trabalho

Roberto Coury Pedrosa ORCID logo

DOI: 10.36660/abc.20200481

Este Minieditorial é referido pelo Artigo de Pesquisa "Episódios de Alta Frequência Atrial e sua Associação com Eventos Isquêmicos Cerebrais em Pacientes Chagásicos".

No Brasil, até o momento, a doença de Chagas (DC) ainda é um grande problema de saúde pública e causa frequente de cardiomiopatia chagásica crônica (CCC) e acidente vascular cerebral (AVC). Ainda é a principal causa de DALYs — anos de vida ajustados por incapacidade (em 2016, de 141.640), uma medida de perda de saúde devido à carga de doenças fatais e não fatais. A doença de Chagas está fortemente associada ao AVC embólico associado à doença de Chagas (AVC-DC) com uma incidência que varia de 0,56 a 2,67 por 100 pessoas/ano. , Está intimamente relacionado à presença de CCC. O diagnóstico de DC pode ser estabelecido após ocorrência de AVC em cerca de 40% dos pacientes. Classicamente, a causa de AVC-DC era considerada cardioembólica, com trombo intracardíaco resultante de função ventricular deficiente e arritmia atrial. Os fatores de risco para AVC-DC incluem aneurisma apical, trombo de ventrículo esquerdo (VE), dilatação atrial importante, disfunção sistólica de VE, idade avançada e arritmia atrial . Embora seja verdade que a maioria dos AVC-DC é tromboembólica, outros tipos, incluindo a doença de pequenos vasos, entre outras (aterosclerose e AVC criptogênico), têm sido observadas. Hipóteses sobre os mecanismos desses AVCs não cardioembólicos incluem a presença de disfunção autonômica na maioria ou em todos os pacientes com CCC em estágios diversos. Com relação à disfunção autonômica, nosso grupo mostrou que pacientes com CCC, mesmo em estágios iniciais e sem disfunção cardíaca, apresentam sinais de um distúrbio do sistema nervoso parassimpático que se correlacionam significativamente com anormalidades da substância branca subcortical cerebral. Isso foi demonstrado por uma correlação inversa e significativa entre a variabilidade da frequência cardíaca reduzida (avaliada pelo teste de arritmia sinusal respiratória e a presença e o número de hiperintensidades da substância branca vistas em exames de ressonância magnética (RM) craniana. No total, 52% dos nossos pacientes apresentaram hiperintensidades na RM, em comparação com cerca de 13% na população geral. No entanto, não houve correlação com a hemodinâmica cerebral, que foi testada com Doppler transcraniano, incluindo a vasorreatividade avaliada pelo índice de apneia. Com base nesses resultados, sugerimos que um sistema parassimpático funcionando adequadamente proteja o cérebro contra hiperintensidades da substância branca. Especulamos que o desequilíbrio entre os sistemas simpático e parassimpático poderia promover instabilidade elétrica do coração, que poderia contribuir para o AVC-DC não cardioembólico. Para responder se a disfunção parassimpática é um mediador das consequências neurológicas do CCC ou apenas um fator adjunto, realizamos outro estudo onde não foi encontrada correlação entre a presença de anticorpos circulantes funcionais séricos com atividade β-adrenérgica ou muscarínica e a função do sistema autônomo ou a presença de hiperintensidades da substância branca (observadas na ressonância magnética) em pacientes com CCC. Os anticorpos antirreceptores foram testados em corações isolados de coelhos. Concluímos que a disfunção autonômica é possivelmente um mediador das consequências neurológicas da CCC, aparentemente relacionadas com a promoção de arritmias atriais como epifenômenos de AVC. Uma característica importante da CCC é o fato de que nem todos os pacientes com fatores de risco para AVC-DC não cardioembólico terão AVC. O complicado desenvolvimento e patologia da doença, juntamente com as complexidades do ciclo de vida do parasita e suas interações com o hospedeiro, dificultam identificar qual grupo de pacientes com CCC é suscetível ao AVC. Embora não haja prova absoluta de que a disfunção autonômica seja sinônimo de AVC-DC não cardioembólico, ou seja, interromper a disfunção autonômica para prevenir AVC-DC não cardioembólico, há um consenso de que a disfunção autonômica cardíaca é necessária para essa ocorrência.

Nesta edição, Freitas et al., apresentara um estudo para ajudar a compreender uma apresentação clínica importante na CCC, ou seja, o AVC. Eles chamam a atenção para o mecanismo arrítmico, particularmente a arritmia atrial. A justificativa é que não existe consenso sobre a contribuição dos episódios atriais de alta frequência nesse episódio. Para responder a essa pergunta, os autores realizaram um estudo longitudinal entre 2016 e 2017 para verificar a existência (ou não) de associação entre episódios atriais de alta frequência (EAAF) e AVE em pacientes com CCC crônica. Todos os 67 pacientes chagásicos tinham dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis (DCEIs) (92,5%, marcapassos e 7,5%, cardioversores-desfibriladores implantáveis) para monitorar a atividade atrial. EAAF foi considerado como frequência atrial ≥190 batimentos por minuto e duração ≥6 minutos e os eventos isquêmicos cerebrais foram identificados por exames de tomografia computadorizada (TC) craniana. Os resultados foram resumidos e analisados nos grupos com e sem episódios atriais de alta frequência.

[…]

Mecanismo causante de Acidente Vascular Cerebral Embólico na Cardiopatia Chagásica Crônica: Disfunção Autonômica, uma Hipótese de Trabalho

Comentários

Pular para o conteúdo