Arq. Bras. Cardiol. 2025; 122(2): e20250124
Revisitando uma Competência Intemporal: O Exame Físico na Era da Medicina Moldada Pela Tecnologia
Este Minieditorial é referido pelo Artigo de Pesquisa "Como o Exame Físico Cardiovascular Impacta a Tomada de Decisão Clínica em Vários Cenários de Doenças Valvulares Cardíacas".
Nas últimas décadas, a prática clínica testemunhou uma transformação profunda, impulsionada pela crescente utilização de imagens avançadas, diagnósticos laboratoriais e, mais recentemente, ferramentas assistidas por inteligência artificial (IA). Antes a pedra angular da prática médica, o exame físico (EF) agora está sendo ofuscado por uma crescente dependência da tecnologia. Embora essas inovações tenham, sem dúvida, melhorado a precisão do diagnóstico, elas também levaram a uma consequência não intencional — o declínio gradual das competências do exame clínico à cabeceira do doente, à medida que os médicos confiam cada vez mais nelas em vez do EF direto. Embora esses recursos forneçam insights diagnósticos inestimáveis, eles também carregam riscos, incluindo falsos positivos, achados incidentais e testes excessivos. Esses fatores não apenas contribuem para intervenções desnecessárias e aumento dos custos de saúde, mas também podem amplificar as preocupações e ansiedade do doente. Essa mudança da avaliação prática também é parcialmente impulsionada pelas restrições de tempo na abordagem clínica contemporânea, enfraquecendo ainda mais as competências no EF. Este declínio do EF tem alimentado um debate contínuo — e até mesmo polarização — entre os médicos sobre sua relevância na prestação atual de cuidados médicos., Essa questão permeia todos os campos da medicina, e a cardiologia não é exceção aos seus desafios.
Em seu estudo, Teixeira et al. lançam luz sobre esta questão premente na medicina moderna: a atenuação da importância do EF na prática clínica. Este estudo intervencionista avaliou o impacto do EF cardiovascular na tomada de decisão clínica (TDC) em cenários de doença valvar. Sessenta estudantes de graduação foram expostos a quatro cenários típicos de doença valvar grave (estenose mitral [EM], regurgitação mitral [RM], estenose aórtica [ES], e regurgitação aórtica [RA]), usando um simulador cardiopulmonar de alta fidelidade em um formato de exame clínico estruturado objetivo. As perguntas relacionadas à TDC foram respondidas após a leitura da sinopse clínica e novamente após a revisão do relatório do ecocardiograma (ECO). Os voluntários foram aleatoriamente designados para cenários com ou sem EF antes de receber um relatório do ECO, que era consistente com os sintomas e achados do EF (Eco-concordante) ou continha informações incompletas ou enganosas (Eco-discordante). A TDC foi avaliada com base nas respostas sobre o tipo de disfunção valvar, sua etiologia, nível de confiança no diagnóstico, solicitações de testes diagnósticos adicionais e decisões de tratamento. A qualidade do EF variou entre as condições valvares, com sopros sistólicos (ES, RM) reconhecidos com mais precisão (> 76%) do que sopros diastólicos (EM, RA) (< 60%), sons cardíacos adicionais (S3, S4) identificados em 44% dos casos e EM mostrando a menor precisão de detecção. A precisão diagnóstica geral para identificar disfunção valvar foi alta (kappa = 0,935, p < 0,001), mesmo quando os participantes receberam relatórios discordantes do ECO. Os voluntários que não realizaram EF foram menos precisos na avaliação da gravidade da disfunção valvar após a revisão dos achados do ECO (p = 0,0047, kappa = 0,2887) e estavam menos confiantes em seu diagnóstico. O nível de confiança no diagnóstico aumentou apenas ligeiramente (4%, p = 0,03) após receber os relatórios do ECO naqueles que tiveram a oportunidade de conduzir um EF. Surpreendentemente, um alto número de exames complementares foi solicitado independentemente da realização de EF, que influenciou apenas a decisão de realizar o cateterismo cardíaco. As decisões terapêuticas finais, no entanto, foram guiadas principalmente pelos achados do ECO em vez do EF (p = 0,0607). Este último resultado era um tanto esperado e provavelmente ocorreria também em ambientes de prática médica efetiva. De fato, ao avaliar a necessidade de intervenção valvar, uma consideração importante — além do estado sintomático — é determinar a gravidade da doença, que depende principalmente de parâmetros de imagem ou hemodinâmicos.–
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Palavras-chave: Educação Médica; Exame Físico; Tomada de Decisão Clínica
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